Paraná

Herói esquecido: A história do curitibano que resgatou a bandeira do império na Guerra do Paraguai

1865

Colaboração de Jair Elias

No dia 21 de janeiro de 1865, um jovem curitibano de apenas 21 anos se apresenta como voluntário para lutar na Guerra do Paraguai. Seu nome: Fidêncio Lemos do Prado. Filho do sul do Império, é incorporado ao 27º Corpo de Voluntários da Pátria, na 4ª Companhia, já na patente de alferes — equivalente ao atual subtenente. A bravura com que atravessaria os campos de batalha marcaria sua trajetória e o transformaria em personagem de uma das passagens mais simbólicas da guerra: o resgate da Bandeira Imperial brasileira, usada como tapete por Solano López, o ditador paraguaio.

Ao longo do conflito, Fidêncio esteve em diversas batalhas. Na sangrenta Batalha de Tuiuti, foi ferido gravemente na cabeça por golpes de facão. Dado como morto, sobreviveu após 24 dias internado em um hospital de campanha. Voltaria ao front e sofreria mais três ferimentos em combate, dos quais também se recuperaria.

Mas é em um momento pós-batalha que seu nome ecoa com força singular na história. Com o avanço do Exército Brasileiro e a fuga de Solano López, Fidêncio e alguns companheiros adentram o palácio abandonado do ditador, no Paraguai. No gabinete presidencial, encontra um símbolo profanado: a Bandeira do Império do Brasil, capturada do navio Marquês de Olinda, sendo usada como tapete. Em ato solene, Fidêncio dobra a bandeira, a guarda em sua mochila e a leva consigo, devolvendo dignidade ao símbolo nacional.


“Fidêncio foi até a sala de Solano López e viu a Bandeira do Império brasileiro sendo usada como tapete pelo próprio Solano López. Então ele pega a Bandeira e guarda na sua mochila”, relata a historiadora Cleusi T. Bobato Stadler.

Durante décadas, Fidêncio reverenciou esse emblema. Todos os anos, no dia 25 de janeiro — data da conquista de Assunção pelas forças aliadas —, ele comparecia ao Museu Nacional para prestar homenagens à bandeira. No dia 7 de setembro, cantava o hino, erguia o estandarte e realizava ritos de honra à pátria. No Centenário da Independência, em 1922, foi convidado a levar pessoalmente a bandeira ao Museu Imperial, no Rio de Janeiro.


Ao fim da guerra, Fidêncio recebeu honrarias dos três países envolvidos na Tríplice Aliança: Medalha de Bronze do Brasil, Medalha de Prata da Argentina e Medalha de Ferro do Uruguai.

Depois do conflito, radicou-se em Imbituva, na localidade de São Miguel, onde se casou com Mariana Gaspar, descendente de uma família de origem indígena. “Ele se apaixonou pela minha bisavó durante uma de suas passagens por aqui. Voltou outras vezes até que os dois se casaram”, conta Silva Prado, bisneta do Major.

A memória de Fidêncio se perpetuaria também por meio de seus descendentes. Seu filho, João Lemos do Prado, tornou-se agrimensor e atuou na região de Campo Mourão na década de 1930, prestando serviços ao governo do Estado do Paraná. Já sua neta, Leony Prado Andrade, educadora respeitada, dirigiu o Colégio Estadual Marechal Rondon por mais de três décadas consecutivas. Casada com o médico Manoel Andrade, Leony tornou-se uma referência na educação local e, prestes a completar 100 anos, é hoje cidadã honorária de Campo Mourão — a primeira mulher a receber tal honraria no município.

Fidêncio faleceu em 24 de agosto de 1927, aos 83 anos. Foi sepultado no cemitério da comunidade de São Miguel, próximo à localidade de Apiaba. Em 1989, Curitiba prestou-lhe homenagem póstuma com a inauguração de uma praça que leva seu nome — um reconhecimento tardio, mas justo, àquele que arriscou a vida pela nação.


Agora, quase um século após sua morte, a história de Fidêncio ganha novo fôlego. No próximo dia 27 de junho, será lançado em Ponta Grossa o livro Fidêncio Lemos do Prado, escrito por Helton Costa, com prefácio de Rodrigo Barbur Carneiro, tataraneto do major. A obra reúne documentos inéditos, fotografias, relatos de descendentes e novos dados sobre sua atuação militar e sobre os objetos históricos ligados a ele — a bandeira resgatada, o uniforme, seus registros e retratos.

“Essa história ficou escondida durante muitos anos. É um morador da nossa cidade, alguém que se destacou na história nacional. Eu precisava contar essa história”, conclui a historiadora Cleusi Stadler.

Assim, ressurge das sombras da memória um homem cuja coragem não foi apenas a de empunhar armas, mas também a de honrar símbolos — um gesto silencioso, porém carregado de sentido, em meio a uma das guerras mais devastadoras da América do Sul.

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